Fundação Vanzolini

Ler e escrever na cultura digital: o que muda?

17 de junho de 2021 | 4min de leitura
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Por Jacqueline Barbosa

As novas tecnologias digitais da informação e comunicação (TDICs) alteraram sobremaneira as formas de interação e disponibilização de conteúdos. Nesse contexto, dois aspectos merecem destaque: a alteração do fluxo de comunicação e a possibilidade de produção de textos que envolvem diferentes linguagens e mídias por parte de “leigos”.

A TV, o rádio, as revistas e jornais impressos, bem como os primeiros usos da web, supunham um fluxo de comunicação de um para muitos. As novas tecnologias possibilitaram o advento da web 2.0, que altera essa lógica de comunicação, tornando-se, então, de muitos para muitos. Se, por um lado, isso possibilita uma democratização em termos de possibilidade de dizer e de se fazer ouvir, por outro, pode ocasionar uma perda de confiabilidade em relação ao que é dito.

Antes do advento dessas tecnologias digitais, entre o que era originalmente escrito/produzido e o que era publicado se colocavam alguns filtros editoriais, que podiam funcionar como controle/censura, mas também serviam para conferir mais credibilidade, sustentação ou refinamento – dependendo do caso – ao que era publicado. Em determinados contextos, as novas tecnologias possibilitam a eliminação desses filtros e passamos a ter acesso direto ao original, o que pode nos livrar da censura, mas também pode excluir critérios de qualidade.

Em função da facilidade de manuseio em termos técnicos e da disponibilização de diferentes ambientes para publicação – sites, blogs, redes sociais etc. –, as TDICs permitem ainda que leigos sejam jornalistas, críticos, comentaristas, escritores, poetas, fotógrafos, autores de produções audiovisuais etc., que fomentam o próprio mar de conteúdos e informações no qual estamos submersos.

Como não poderia deixar de ser, esse estado de coisas traz novas demandas para a escola, dentre as quais destacaremos três.

A primeira delas é que para lidar com o fenômeno da hiperinformação e com o mar de conteúdos gerados diariamente é preciso, mais do que nunca, saber buscar, interpretar (o que supõe para além das habilidades já conhecidas de leitura, saber combinar, construir sentidos articulando diferentes linguagens e mídias), selecionar, comparar, contrastar e analisar informações.

Faz-se necessário ainda qualificar, também do ponto de vista ético e estético, as produções que se dão a público, seja em relação ao conteúdo publicado, seja no que diz respeito a seu formato ou aspectos técnicos (envolvidos no manuseio de diferentes linguagens e mídias). Em outras palavras, é preciso ter efetivamente o que dizer e é preciso poder fazê-lo de um jeito eficaz, responsável e tecnicamente adequado: segundo foco de demandas para a escola.

Somos chamados o tempo todo a intervir nas produções dos outros ou a interagir com elas: curtindo, comentando, remixando ou redistribuindo comentários e informações. Isso precisa ser pauta de discussão na escola, de tal forma que se reflita sobre os significados dessas ações e se possibilite que sejam vivenciadas com critério: produção de comentários despretensiosos, não fundamentados e até aligeirados se a situação assim o permitir/requerer (não damos conta de nos inteirar com profundidade de tudo o que acontece) e produção de comentários mais substantivos, fundamentados, frutos de uma reflexão mais aprofundada, quando necessário.

Como se vê, seja em termos de novas habilidades a serem desenvolvidas, de novas práticas, gêneros e procedimentos a serem contemplados ou de novas temáticas que devem ser propostas para discussão, a leitura e a escrita no contexto digital trazem novas demandas para a escola, que, por sua vez, deve atendê-las de maneira crítica, invertendo, por vezes, o fluxo dessa relação, de forma a provocar o debate de questões socialmente relevantes.

Jacqueline Barbosa, mestra e doutora em Linguística Aplicada e professora do Departamento de Linguística da PUC-SP