Fundação Vanzolini

O papel transformador da construção sustentável na Arquitetura

Postado em Certificação | 1 de julho de 2025 | 7min de leitura
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A última palestra da Fundação Vanzolini na CASACOR São Paulo 2025 encerra o ciclo com provocações, dados e caminhos possíveis para o futuro

Encerrando com profundidade e senso de urgência o ciclo de palestras da Fundação Vanzolini na CASACOR São Paulo 2025, o encontro com o tema Eficiência energética, reduções de emissões e a arquitetura como protagonista em um mundo em colapso reuniu profissionais de referência para discutir como a construção civil pode — e precisa — liderar a transição rumo à sustentabilidade ambiental, econômica e social.

Realizado na mostra de arquitetura, design e paisagismo mais importante do Brasil, o evento teve como objetivo fomentar o debate técnico e ético sobre as responsabilidades da arquitetura em um contexto de crise climática global, desigualdade social e esgotamento de recursos naturais.

O colapso climático já é realidade — e a construção civil é parte do problema

Na abertura do evento, Gabriel Novaes, assessor de ESG da Fundação Vanzolini, apresentou dados atualizados que evidenciam o impacto da construção civil no agravamento das mudanças climáticas. Segundo ele:

“A construção e as edificações respondem por 36% do consumo de energia final global e 37% das emissões de gases de efeito estufa (GEE). No Brasil, esse setor é responsável por cerca de 6% das emissões diretas e mais da metade do consumo de energia elétrica.”

Esses números refletem desde as emissões incorporadas — ligadas à fabricação de materiais, transporte e execução das obras — até as emissões operacionais, relacionadas ao consumo de energia e água durante o uso do edifício.

Gabriel destacou ainda que, embora soluções como painéis solares e sistemas de automação predial sejam importantes, elas não substituem o papel do projeto arquitetônico consciente, que deve priorizar o desempenho passivo do edifício desde o início.

“Não é só ter o sistema de ar-condicionado mais moderno do planeta. A pergunta mais importante é: como posso evitar que ele precise ser ligado?

Arquitetura: protagonista dos impactos e das soluções

O arquiteto e professor Rodrigo Loeb trouxe uma fala provocadora e inspiradora ao relembrar que a arquitetura foi historicamente usada como instrumento de dominação e colonização, mas que hoje pode — e deve — ser um agente de restauração ecológica e social.

“A arquitetura só faz sentido se for capaz de promover um processo de restauração socioambiental que seja, ao mesmo tempo, ecossistêmico e humano.”

Rodrigo mostrou exemplos de projetos arquitetônicos que conciliam sustentabilidade, qualidade de vida e viabilidade econômica, como a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (USP) — que usou estratégias de conforto térmico passivo, ventilação cruzada e controle solar — e o Parque de Inovação e Sustentabilidade em Brasília, construído com fundações desmontáveis e envoltória térmica leve, adaptada ao clima do Cerrado.

Novo Referencial AQUA-HQE™: evolução, adaptação e coerência com os desafios do presente

Um dos pontos centrais da discussão foi a apresentação da nova versão do referencial AQUA-HQE™, lançada pela Fundação Vanzolini em 2024. A nova estrutura está mais conectada aos desafios atuais e internacionais, incorporando de forma explícita:

  • Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU;
  • A linguagem ESG (Environmental, Social and Governance);
  • Os conceitos de mitigação e adaptação climática, alinhados ao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

“O novo referencial não quer mais apenas que os edifícios compensem os impactos. Ele quer que eles evitem a geração do impacto desde o início, reduzindo a demanda sobre sistemas energéticos e promovendo conforto por meio de estratégias passivas”, explicou Gabriel.

Além disso, a certificação atualizada contempla mais de 70 referências técnicas brasileiras, garantindo maior aplicabilidade e contextualização dos critérios ambientais, sociais e de governança às realidades locais, especialmente em empreendimentos residenciais, comerciais e de infraestrutura urbana.

Arquitetura sem ética é só estética

Em sua intervenção, o professor José Joaquim Ferreira, presidente do Conselho Curador da Fundação Vanzolini, destacou que o trabalho arquitetônico deve ser guiado por uma convicção ideológica e ética em favor da vida e da coletividade.

“Se o arquiteto não tiver a certeza de que seu trabalho pode melhorar o mundo, então tudo vira apenas uma métrica. A certificação só tem valor quando há propósito.”

Rodrigo complementou com a experiência de atuar em projetos sociais e acadêmicos, muitas vezes com orçamentos restritos e sem retorno financeiro imediato, mas com alto impacto positivo para comunidades e territórios vulnerabilizados. Ele enfatizou a necessidade de que a sociedade valorize e remunere corretamente esse tipo de trabalho:

“A maioria dos projetos com comunidades em risco são tratados como trabalho voluntário. Mas esses são os projetos mais importantes.

O desafio da execução e o saber da mão de obra

Um dos trechos mais práticos e inspiradores da palestra foi quando Rodrigo falou sobre a execução das obras, destacando a importância de escutar e valorizar o conhecimento da mão de obra tradicional. Ele compartilhou o caso da biblioteca da USP, que contou com um mestre de obras de mais de 80 anos e uma equipe diversa em experiência e idade.

“Muitas soluções que aplicamos vieram da sabedoria prática da obra. A arquitetura precisa incorporar o cuidado com quem vai construir e manter os espaços.”

Rodrigo também alertou sobre a falsa promessa de sustentabilidade de algumas tecnologias, como grandes usinas solares e parques eólicos instalados de forma predatória:

“A tecnologia sem responsabilidade social e ambiental pode ser apenas uma nova forma de devastação.”

Considerações finais: conhecimento aplicado, ação coletiva

Fernando Berssanetti, executivo sênior da unidade de certificação da Fundação Vanzolini, encerrou o evento reforçando a importância do planejamento de longo prazo:

“Soluções sustentáveis reais nem sempre são imediatas. É preciso resistir ao curto-prazismo e entender que o bumerangue sempre volta. O barato hoje pode custar caro amanhã.”

Ele também fez um convite à comunidade técnica e acadêmica para participar dos projetos e pesquisas da Escola Politécnica da USP, lembrando que o Brasil é o país que mais publica artigos científicos sobre sustentabilidade no mundo, mas ainda precisa traduzir esse conhecimento em ação prática.

“A Fundação Vanzolini é a ponte entre a universidade e o mercado. E as portas estão abertas para quem quiser pesquisar, desenvolver e aplicar soluções sustentáveis com impacto real.”

A sustentabilidade como prática, ética e transformação

A terceira e última palestra promovida pela Fundação Vanzolini na CASACOR São Paulo 2025 não foi apenas um encerramento. Foi uma convocação. Para arquitetos, engenheiros, gestores públicos, investidores e cidadãos conscientes, a mensagem é clara: a sustentabilidade não pode ser superficial. Ela exige postura, coerência, escuta, técnica e ação coletiva.

Como disse Rodrigo Loeb:
“Ou a gente muda, ou a gente muda.”

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