Fundação Vanzolini

Pandemia coloca em risco S&OP das empresas

22 de abril de 2022 | 7min de leitura
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Não é segredo para ninguém que a pandemia mudou de forma abrupta a vida das pessoas e as operações dentro de uma empresa. Se antes o Planejamento de Vendas e Operações (Sales and Operations Planning, S&OP) de uma instituição era um sistema alinhado, com estratégias e definições a longo prazo, com a chegada do coronavírus esse cenário mudou.

Neste momento, as vulnerabilidades das empresas que utilizavam essa técnica foram expostas, e pontos como a imprevisibilidade de fornecimento e a escassez de mão de obra prejudicaram ainda mais o faturamento. 

Nessa perspectiva, surge uma dúvida a respeito da funcionalidade do S&OP: será que é hora de encerrá-lo e buscar novos métodos? 

No texto abaixo, os alunos de mestrado de Engenharia de Produção, do Departamento de Engenharia de Produção (PRO) da Escola Politécnica da USP, Edgard Liberali Filho, Fernando Nunes dos Santos e Ronaldo Benevides Veloso questionam se essa técnica realmente corre o risco de acabar e apresentam um possível complemento ao processo de planejamento, chamado de execução de vendas e operações S&OE (Sales and Operation Executions), que prevê uma abordagem multifuncional, com foco no trimestre, e não a longo prazo. 

Boa leitura!

O conteúdo abaixo é de responsabilidade dos autores

É hora de acabar com o S&OP?

Escrito por Edgard Liberali Filho, Fernando Nunes dos Santos e Ronaldo Benevides Veloso.

Recentemente, Brian Higgins e Mark Levy, executivos da KPMG LLP, publicaram um artigo provocativo, Is it time to blow up S&OP?, questionando se chegou a hora de acabarmos com o S&OP.

Essa reflexão surgiu pelo fato do planejamento tradicional de vendas e operações (S&OP) não ser capaz de acompanhar as mudanças dinâmicas atuais, principalmente no curto prazo, diante do impacto causado pelo COVID-19.

O Planejamento de Vendas e Operações (Sales and Operations Planning, S&OP) é um processo de gestão multifuncional, que alinha e harmoniza, no nível da liderança executiva e em um horizonte de longo prazo, as diferentes estratégias e prioridades de cada área da empresa: áreas comerciais (desenvolvimento de produto, marketing e vendas), supply chain, manufatura, engenharia, finanças, dentre outras.

O objetivo do S&OP é criar uma visão comum sobre as operações futuras, ao sincronizar as expectativas em termos de vendas e receita, e desdobrá-las em planos e necessidades operacionais que viabilizem o atendimento da demanda projetada e acordada. Assim, após um ciclo de processo, é possível gerar cenários operacionais e financeiros, usualmente em um horizonte de 3 a 24 meses, que serão comparados com as metas de longo prazo da organização.

De acordo com os autores, muitas empresas descobriram que as competências e ferramentas que caracterizam o S&OP os colocaram em uma posição de despreparo para responder a interrupções sem precedentes, como imprevisibilidade de fornecimento, acúmulo de fornecimento, escassez repentina de mão de obra, problemas imediatos e dramáticas mudanças de demanda e de canal e oscilações de custo. Em vez disso, as discussões de planejamento “e se” do S&OP foram substituídas por “O que acontecerá a seguir”?

Porém, essa constatação apenas reforça que o S&OP é um modelo de gestão de longo prazo e que, portanto, não será esse o “remédio” para mitigar e corrigir processos operacionais que atendam às mudanças “diárias” entre oferta e demanda provocadas pela pandemia.

Logo, os autores concluíram que a resposta para a pergunta provocativa é: não. Não se pode abandonar o S&OP. O que se deve fazer é complementar o S&OP com um processo de planejamento conhecido como execução de vendas e operações – S&OE (Sales and  Operation Execution) – para ajudar a enfrentar melhor este momento da pandemia, agora aumentado também pela Guerra da Rússia e Ucrânia.

Higgs e Levi explicam que o S&OE (um termo e conceito originalmente introduzido pela empresa de análise Gartner) é um processo multifuncional, que ajuda as organizações a determinarem etapas táticas discretas que são necessárias para atender aos requisitos do trimestre. Assim como o S&OP, ele permite a comunicação multifuncional que uma organização não teria de outra forma. O S&OE alinha finanças, cadeia de suprimentos, operações e vendas nas decisões tomadas sobre exceções que ocorrem no horizonte de 0 a 13 semanas. Essas decisões podem envolver alocações, substituições, estoque, mão de obra e expedição. O processo de S&OE é normalmente apoiado por uma análise estruturada de demanda/oferta e uma reunião interfuncional semanal. É importante ressaltar que ele não substitui o S&OP; em vez disso, apoia esse processo, garantindo que o S&OP permaneça focado no horizonte de longo prazo (A Figura 1 fornece uma comparação simplificada das duas abordagens).

[Figura 1] S&OE x S&OP: uma breve comparação

O escopo do S&OE pode iniciar sendo implementado por uma simples reunião semanal, na qual as decisões multifuncionais de curto prazo são tomadas ou pode-se até utilizar o início de ciclos do S&OP. Em ambos os casos, deve-se garantir que o S&OE tenha a mesma disciplina de processos e reuniões que o S&OP.

Adicionalmente, o S&OE também apoia o S&OP, funcionando como o componente “ajustar” de uma estratégia “planejar-executar-comparar-ajustar”. Esse ajuste discute as interrupções “em voo” que não eram conhecidas durante a cadência normal do S&OP. Em ambos os casos, o objetivo é simples: responder à pergunta “O que mudou?”

A estrutura de planejamento hierárquico (Figura 2) ajuda a compreender o raio de abrangência das duas metodologias em questão e a interligação entre elas.

[Figura 2] Visão hierárquica adaptada do livro Planejamento, Programação e Controle da Produção (Corrêa, Gianesi e Caon)

Apesar dos benefícios em complementar o S&OP com um processo estruturado de execução, como o S&OE, há riscos em sua implementação que devem ser considerados. O primeiro deles é transformar o S&OE em um processo de “apagar incêndios”, sem conexão com a estratégia de longo prazo e sem uma análise rigorosa das causas raízes de desvios recorrentes. Outro ponto a ser considerado está relacionado ao tempo necessário para implementar a governança de uma camada adicional de planejamento. 

Assim, reestruturar o processo de planejamento, conectando o curto ao longo prazo é uma solução melhor que abandoná-lo de vez. Na visão dos autores, não ter um plano não significa que a empresa está sendo ágil. Significa que está sendo ingênua e despreparada.  

Concluindo seu artigo, os autores propõem ao leitor uma autoavaliação para saber: Quão bem preparado você está para lidar com as interrupções da cadeia de suprimentos? Você tem processos sólidos de S&OP e S&OE? Como você sabe? 

Aqui estão algumas perguntas para se fazer. Se você estiver no caminho certo, sua resposta deve ser “sim” para cada uma delas:

  1. Você toma decisões em suas reuniões de S&OE/S&OP?
  2. Você tem uma “versão única da verdade” para esses eventos?
  3. Todos vocês falam a mesma “linguagem” da cadeia de suprimentos?
  4. Você pode executar um cenário de demanda/oferta em um dia?
  5. Você tem o equilíbrio certo entre controle central e local?
  6. Você tem um balanced scorecard e incentivos alinhados em todos os segmentos de negócios?