Fundação Vanzolini

Inovação e Educação

15 de junho de 2021 | 8min de leitura
Compartilhe:

Por Anna Penido

O que é inovação para você?

Inovação é a gente conseguir fazer algo que a gente não conseguia fazer antes e isso gerar um benefício direto na vida das pessoas, no sistema de produção e em todas as áreas. Inovação é encontrar novas formas de fazer o que antes era impossível. E inovação na educação, a gente costuma dizer que é conseguir, de fato, conectar os processos educativos ao perfil dos alunos contemporâneos e às demandas do século 21. É adaptar principalmente os modelos de escolas e os processos de ensino e aprendizagem ao que a sociedade contemporânea demanda, como os estudantes de hoje se posicionam no mundo, como aprendem e como interagem com o conhecimento.

É preciso tecnologia para inovar?

Na verdade, sim. Toda inovação parte do desenvolvimento de uma nova tecnologia, não necessariamente tecnologia de comunicação. Encontrar uma nova forma de fazer algo é tecnologia. Quando um professor encontra uma nova maneira de incluir um aluno que antes não aprendia, ele desenvolve uma nova tecnologia e essa tecnologia pode ser mediada por computadores, ou não. O que acontece com a tecnologia digital é que ela tem permitido fazer com que muitas inovações aconteçam mutuamente, porque ela é capaz de processar informações, conectar pessoas, oferecer oportunidades que antes não seriam possíveis. Ela é uma alavanca muito interessante para a inovação. Ela nos permite, por exemplo, criar uma série de objetos digitais com os quais o aluno pode aprender em qualquer hora e lugar por meio de games, vídeos etc. A tecnologia está expandindo exponencialmente o acesso desses estudantes à educação, e crianças e jovens que antes ficavam limitados a uma biblioteca da escola ou do bairro. É a mesma coisa quando você pensa no curso de inteligência artificial, pensa nessas plataformas tecnológicas que vêm sendo desenvolvidas, que vão se adaptando ao que cada aluno aprende e registrando todas as informações, conseguindo criar percursos pedagógicos junto com o professor, conectando cada um dos alunos a essas plataformas que oferecem um caminho para personalizar a educação. A tecnologia é apenas uma ferramenta, porque quem faz os processos acontecerem são os indivíduos, mas ela potencializa o trabalho.

Como criar uma cultura de inovação nas escolas, especialmente nas escolas públicas?

Para que isso aconteça, precisamos de alguns passos. O primeiro é um mergulho profundo no que não está funcionando e pode melhorar. A escuta dos alunos, professores e gestores para entender o que está acontecendo. Buscar esses diagnósticos para além da obviedade e conseguir entender os problemas de cada comunidade escolar com muita honestidade e abertura. Dessa forma, o problema será a alavanca para sair dessa situação. É o que chamamos de “escuta inspiracional”. Não é uma escuta que te paralisa, mas que te faz ter clareza daquilo que você precisa para correr atrás, que inspira a buscar soluções.

O segundo passo é ter uma política pública que crie a ambiência. Isso não vai poder acontecer somente nas escolas que têm um professor e um diretor que heroicamente saem tentando resolver os seus desafios. É preciso que a rede estimule a busca de soluções não só de fora para dentro, como por exemplo, contratar consultorias, mas convites a professores, gestores e alunos para se envolverem na construção de novas propostas, como algo sistêmico e não pontual. Uma política de estímulo à inovação que dê conta, inclusive, das questões de infraestrutura, para que as mudanças aconteçam.

A formação também é importante. É preciso oferecer referências aos professores, mas elas nunca devem ser empacotadas e sim permitirem que eles possam ampliar o seu repertório e habilidades e remixar e adaptar ao seu contexto cotidiano.

Estimular a mistura do professor com aluno, com empreendedor, com a comunidade, especialistas. Para você olhar fora da caixa, tem de olhar sobre vários pontos de vista, e nada mais interessante do que o diálogo entre empreendedor e educador, aluno e professor, para que criem soluções juntos. Essas misturas são um caldo fértil para a inovação.

A falta de conectividade ainda é um desafio no ambiente escolar das redes públicas de ensino?
É um grande desafio. A gente sabe que se os indivíduos não estiverem capacitados para usar os recursos, não vai adiantar; se não tiver a estrutura disponível, as pessoas continuarão sem acesso a essas facilidades. As pessoas tendem aqui no Brasil a contar com a improvisação. Ah, não tem internet? Vamos fazer offline. Não tem wi-fi? Vamos para o laboratório mesmo. Isso tudo gera uma subutilização das tecnologias digitais. Conectividade é algo básico que nem ter um caderno, um livro didático, porque ela abre a possibilidade de acesso a milhares de cadernos. Mas ela tem de ser conectividade estável, e não adianta fingir que tem conectividade nas escolas, assim como não adianta ter um laboratório que é utilizado uma vez por mês. Quando a gente começou a falar sobre tecnologia e estávamos preocupados com a inclusão digital, foi muito bom, porque vários alunos tiveram acesso, educávamos as pessoas para usar a tecnologia. Hoje, todo mundo tem acesso em tudo quanto é canto e muitas vezes na escola os alunos têm equipamentos piores do que em casa. Não é educar para usar a tecnologia e sim usar a tecnologia para educar; é conseguir conectar as pessoas para ajudar os professores a se qualificarem. Por isso você precisa da infraestrutura.

De que maneira a tecnologia pode contribuir para uma prática escolar que promova a equidade?

O maior perigo da entrada da tecnologia na educação é aumentar a desigualdade, porque se uns tiverem o high tech e outros continuarem com o low tech, o fosso vai aumentar. O nível de oportunidade que o acesso de qualidade gera amplia todas as outras oportunidades que a pessoa tem. Se você sabe usar a tecnologia, você consegue se educar mais, você consegue informações sobre saúde, você consegue saber os seus direitos, pode encontrar melhores oportunidades de trabalho, melhores cursos profissionalizantes. É preciso capacitar as novas gerações para fazer o uso dessa tecnologia, para se empoderarem, porque se os alunos têm acesso à tecnologia e não a professores de qualidade, ele vai conseguir atravessar essa ponte. É mais um recurso para você estreitar os abismos da desigualdade, mas se os alunos continuarem sem o acesso a isso, vão ficar por fora sem saber transitar por esse mundo.

Das tendências para a educação do século 21, qual você destacaria?

A personalização do ensino. Durante anos fizemos uma educação massificada, a questão de demanda por conta da revolução industrial, de ter de colocar muita gente na escola para desenvolver a mão de obra. A escola tem a cultura industrial e com isso a gente vai perdendo muita gente no meio do caminho. É o aluno que tem de se adaptar à escola e não a escola que oferece a melhor trajetória pedagógica para cada tipo de aluno. Cada cérebro é diferente do outro; mesmo alunos com desempenho escolar parecido têm percursos muitos diferentes, inteligências diferentes e cada um aprende de um jeito. A gente ignora tudo isso quando a gente dá a mesma aula, o mesmo material ao mesmo tempo para todo mundo. É condenar muitas pessoas ao insucesso. Até a forma de avaliar é padronizada, sendo que hoje sabemos que as pessoas conseguem comprovar o seu aprendizado de formas diferentes, como por exemplo, gente melhor no oral do que no escrito. Mas como hoje a avaliação não é algo para assegurar a aprendizagem, mas apenas para reprovar, a avaliação penaliza o indivíduo. Toda essa questão demanda personalização.

Todas as outras tendências dialogam com isso, encontrar novas tecnologias, encontrar novas evidências, novas formas de conhecer o aluno, e assim garantir que ninguém fique para trás e todos possam desenvolver o seu potencial na medida da sua capacidade. Hoje o potencial é medido pela capacidade do sistema.

Anna Penido é Diretora do Instituto Inspirare. Jornalista formada pela UFBA, com especialização em Direitos Humanos pela Universidade de Columbia e em Gestão Social para o Desenvolvimento pela UFBA. Em 2011, participou do programa Advanced Leadership Initiative da Universidade de Harvard. Trabalhou como repórter para o jornal Correio da Bahia e para as revistas Veja Bahia e Vogue. Integrou as equipes da Fundação Odebrecht e do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia. Fundou e dirigiu a CIPÓ – Comunicação Interativa, da qual é conselheira. Coordenou o escritório do UNICEF para os Estados de São Paulo e Minas Gerais. É fellow Ashoka Empreendedores Sociais e líder Avina.