Fundação Vanzolini

O celular fascinava os alunos e atormentava os professores. Mas não havia sentido em afastá-lo da escola. A Fundação Vanzolini e seus parceiros atuaram para fazer dele uma ferramenta de educação.

Ano de 2014. O celular já estava disseminado na comunidade escolar e era quase um vício entre os alunos. No entanto, seu uso era tratado com duras regras pela maioria das escolas, que chegavam a confiscar o aparelho. Uma abordagem polêmica do assunto, certamente, que produzia muitos conflitos, mas tinha retaguarda na lei que vetava o uso de celular na escola pública. Telefone móvel e tablet foram transformados numa dupla de vilões, culpados de desvios de atenção dos alunos, de conflitos sobre a privacidade, de facilitar colas nas provas e outros delitos.

Apesar das medidas restritivas, os alunos insistiam na transgressão. Afinal, dispor de várias tecnologias na palma da mão era algo inédito — e fabuloso. Telefone. Câmera. Gravador. Internet. Música. Um conjunto de ferramentas que, se a escola soubesse usar, estreitaria a relação com a educação digital, em benefício do aluno. Mas, para isso, era preciso mudar a mentalidade vigente. Aproveitar a grande atração que o celular exercia entre os estudantes e evidenciar aos educadores as contribuições que ele podia dar ao processo educativo.

Eram muitas ferramentas audiovisuais na mão dos estudantes, para serem usadas apenas em lazer e comunicação. O celular pedia para fazer parte do processo educativo.

Essa perspectiva inovadora exigia um programa com conteúdo específico, direcionado à comunidade escolar. Requeria discussão, reflexão e método, para o professor se apropriar das tecnologias móveis em sala de aula. E a Fundação Vanzolini enfrentou a tarefa. Criou o projeto Escola Com Celular, juntamente com o MIT-Massachusetts Institute of Technology, dos Estados Unidos.

Celulares e tablets foram concebidos como suportes para projetos investigativos, sobre temas relacionados ao meio ambiente. O descarte correto de resíduos e o consumo consciente ganharam projeção, no debate entre estudantes, professores e a comunidade. O programa usava a realidade cotidiana do aluno como objeto de investigação e o seu aparelho de estimação como ferramenta.

Com o apoio da ONG Ecosurf, o Escola Com Celular chegou às escolas públicas de duas cidades litorâneas do Estado de São Paulo: São Vicente e Caraguatatuba. Os alunos investigaram a escola, seu entorno e a cidade. A sustentabilidade foi analisada com os conhecimentos do currículo e os alunos chegaram até a estudar doenças associadas à urbanização, como a dengue. As atividades demonstraram que as escolas podiam contar com as várias tecnologias acopladas ao celular, para desenvolver novas práticas em sala de aula.

O passo adiante exigia que os professores se aprofundassem no estudo da tecnologia, aplicada aos processos educativos. A Fundação Vanzolini ofereceu então a eles, em parceria com a espanhola Fundación Santa Maria, um curso a distância sobre o uso de dispositivos móveis. As atividades focaram no desenvolvimento de projetos curriculares também relacionados à sustentabilidade, um tema fundamental para o planeta.

ADOTADO. VALIDADO. EFICIENTE.

Desde então, o programa Escola Com Celular obteve resultados expressivos, formando 4 mil professores de escolas públicas. A Pesquisa sobre o Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nas Escolas Brasileiras (TIC Educação), realizada periodicamente pelo CETIC-Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, aponta que, hoje, mais da metade dos professores utiliza o celular em atividades com os alunos.

Mais do que isso, os professores se tornaram docentes também em tecnologia. Outra pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil mostra que a mediação dos educadores, na apropriação de recursos digitais pelos alunos, hoje é fundamental. O que confirma o acerto de incorporar as tecnologias ao ambiente escolar, em vez de tratá-las como inimigas.

Desenvolvimento de programas e ações de formação e capacitação

Desenvolvimento de programas e ações de formação e capacitação

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A Fundação Vanzolini modela e desenvolve soluções para programas e ações de formação e capacitação específicos e customizados em contextos de larga escala que requeiram ações coordenadas para engajamento do público, amplo uso de tecnologias e gestão para a articulação dos atores envolvidos nos processos.

Os serviços podem envolver a cadeia completa de modelagem, desenvolvimento, produção, execução e monitoramento. Eles vão desde as ações de concepção e planejamento dos programas, até a elaboração de conteúdo e atividades, incluindo a implementação e a definição de relatórios para o monitoramento e avaliação e a realização de estudo, indicação, desenvolvimento ou customização de ferramentas e plataformas para atendimento das necessidades.

Confira alguns Trabalhos Realizados:

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    Por Priscila Gonsales

    Uma das características mais incríveis da internet é, sem dúvida, a possibilidade de acessar informação. Basta ter um dispositivo conectado para apreciar obras de arte de museus famosos do mundo todo, assistir a videoaulas sobre os mais diferentes temas ou encontrar imagens de fatos históricos e atuais, só para citar alguns exemplos.

    Com toda essa infinidade de conteúdos ao alcance de um clique, nossas atividades cotidianas de estudo ficaram mais facilitadas. Por isso, é bastante comum o seguinte raciocínio: se eu preciso de uma foto, de um texto ou de um vídeo para enriquecer uma produção própria (um blog, uma apresentação), basta copiar de algum site e citar a fonte, certo? Infelizmente, não. Sem a expressa autorização do autor isso é ilegal. Talvez o próprio autor do material não se importasse, mas ele não sabe que poderia deixar essa opção visível para o usuário com uma licença flexível.

    E isso acontece porque temos no Brasil a Lei de Direito Autoral, considerada uma das mais restritivas do mundo. Essa lei determina que o autor (ou o detentor dos direitos do autor) é o único proprietário dos direitos de uso de sua obra, cabendo a ele decidir quando e como permitir o uso por terceiros. Não existe exceção nem para finalidade educativa. Mesmo que a obra não traga o símbolo C de “copyright” ou a frase “todos os direitos reservados”, a lei garante que a obra é “copyright”. Independentemente disso, porém, já existe no mundo todo, inclusive no Brasil, um modelo de gestão de direitos autorais em que o autor pode optar por uma licença livre, concedendo de forma clara alguns direitos de uso de sua obra. Trata-se do Creative Commons (CC), uma organização não governamental, com sede nos EUA, que criou seis tipos de licenças livres para que o próprio autor escolha qual deseja utilizar, sem a necessidade de contratar advogados. Qualquer pessoa interessada em licenciar sua obra de forma aberta pode acessar o site, responder a algumas perguntas e, instantaneamente, receber a licença apropriada para deixar ou incorporar em sua obra. Simples assim.

    Ao falarmos de licença livre, chegamos ao conceito de REA, ou Recursos Educacionais Abertos, e sua importância no contexto da cultura digital em que estamos. O termo “Recursos Educacionais Abertos” (Open Educational Resources, em inglês OER) foi adotado, pela primeira vez, durante um fórum da Unesco em 2002. Trata-se do esforço de uma comunidade global de educadores, políticos e usuários articulada para criar, reutilizar e propagar bens educacionais pertencentes à humanidade, bens esses cada vez mais acessíveis graças à internet.

    A definição de REA é a seguinte: são materiais de ensino, aprendizado e pesquisa, disponíveis em qualquer suporte ou mídia, preferencialmente em plataformas ou formatos livres (software livre), que estejam sob domínio público ou licenciados de maneira aberta, permitindo que sejam utilizados ou adaptados por terceiros.

    Os REA criam a oportunidade para uma transformação fundamental na educação: a autoria. Permitem que educadores, estudantes e mesmo aqueles que não estejam formalmente vinculados a uma instituição de ensino se envolvam no processo criativo de desenvolver e adaptar recursos educacionais. Governos e instituições de ensino podem formar professores e alunos para a produção colaborativa de textos, imagens e vídeos de qualidade. Com a abertura dos materiais na internet, a possibilidade de formação continuada se expande a toda a sociedade.

    REA e a política pública

    Anualmente, uma quantidade imensa de dinheiro público (da ordem de bilhões) é gasta pelos governos na compra de materiais didáticos impressos e digitais que não são REA e, portanto, são de acesso restrito, inibindo as possibilidades de reprodução, criação e adaptação de conteúdos por educadores e estudantes. Em 2012, a Unesco realizou, em Paris, o Congresso Mundial de REA, que gerou uma declaração convidando governos do mundo todo a determinar que recursos educacionais financiados com recursos públicos devem adotar o modelo REA.

    Em abril de 2012, a Comunidade REA Brasil, formada por pessoas de diversas áreas do saber, lançava na Casa da Cultura Digital , em São Paulo, o primeiro livro no país com artigos acadêmicos e relatos de experiências sobre REA na área de política pública e de práticas educativas. É, obviamente, um REA e está disponível para leitura online ou para baixar.

    Atuando junto à Comunidade REA desde 2008, o projeto REA.br, conduzido atualmente pelo Instituto Educadigital com apoio financeiro da Open Society Foundations , vem trabalhando para transformar a política pública de acesso a recursos educacionais financiados com orçamento público. Alguns resultados já podem ser observados nos últimos três anos, tanto em nível federal quanto estadual e municipal. Um deles é o Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em 2014, que contempla o incentivo a REA dentro de duas de suas metas. Ainda no âmbito federal, o Projeto de Lei nº 1.513/2011 visa garantir que as compras públicas ou contratação de serviços e materiais educacionais sejam regidas por meio de licenças livres, permitindo a difusão e a ampliação do acesso a esses bens por toda a sociedade.

    Em nível municipal, já existe uma política pública de REA vigente no município de São Paulo, desde o Decreto nº 52.681 , de 26 de setembro de 2011, que dispõe sobre o licenciamento obrigatório das obras intelectuais produzidas ou subsidiadas com objetivos educacionais, pedagógicos e afins, no âmbito da rede pública municipal de ensino. Hoje, quem entra no site da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo já localiza a licença definida para uso dos materiais disponíveis.

    Educação aberta como tendência

    Conteúdo aberto também já aparece como uma das tendências para a educação em um dos principais relatórios mundiais sobre o uso da tecnologia na educação, o Horizon Report. Segundo o documento, a “educação aberta” e os “cursos abertos e gratuitos, como os Moocs ”, surgem como forma de diminuir as barreiras de acesso à informação até para quem está fora da escola.

    Na perspectiva apontada pelo Horizon Report, alguns projetos educacionais mais recentes já estão sendo criados dentro da perspectiva de REA, ressaltando não apenas a importância do bem público e da livre adaptação, como também a autoria dos educadores envolvidos.

    A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo lançou no início de 2014 um remix do site Escola Digital, chamado Currículo+, em que os próprios gestores e professores da rede são convidados a analisar e sugerir objetos digitais para os colegas. É a primeira iniciativa REA de fato da SEE-SP.

    O contexto atual, não só no Brasil, mas em todo o mundo, envolve o desafio de integrar – ou mais efetivamente, impregnar – as TIC ao currículo de forma qualitativa e trazer de fato a cultura digital para a escola e demais espaços de aprendizagem (sejam eles formais ou informais). Desafio esse que passa, em primeira instância, pela formação inicial e continuada de docentes e, simultaneamente, pela incorporação de tendências que já fazem parte do cotidiano da sociedade conectada, tais como: personalização de uso, práticas colaborativas em redes digitais, adoção crescente de celulares e computadores móveis, e preferência por softwares livres e conteúdo aberto.

    A educação precisa de apoio, mas esse apoio não pode vir de fora para dentro, justamente porque não existe receita pronta e única. É preciso estimular que professores sejam autores de seu próprio processo de formação, procurando não só usar REA, mas também produzir e compartilhar suas produções, seus projetos pedagógicos, suas sequências didáticas, possibilitando que outros educadores possam aproveitar e remixar essas iniciativas de acordo com as características culturais de cada região.

    Quando materiais didáticos e educacionais são considerados bens públicos e comuns, todos podem se beneficiar: professores, estudantes e autores interessados na utilização de sua produção e também no processo criativo de desenvolver e adaptar recursos educacionais. E se esses materiais são pagos com recursos públicos, seja pelos programas de incentivo ao livro e à leitura ou por investimento próprio de governos produzirem materiais, faz ainda mais sentido que sejam públicos, ou seja, de livre acesso e livre adaptação.

    Tornar esse novo mundo de fato possível e acessível para todos, abrindo caminhos para mais e mais processos colaborativos, segue sendo o maior objetivo para todo o movimento REA, especialmente na perspectiva de quem atua com formação de educadores. O contexto da cultura digital que temos hoje favorece que as pessoas tenham voz, abre espaços de troca e de aprendizagem infinitos. Assim, uma ideia pode originar outra ideia, uma experiência pode estimular outra, um resultado pode inspirar vários.

    Priscila Gonsales, Fellow Ashoka, Mestre em Educação, Família e Tecnologia pela Universidade Pontifícia de Salamanca – Espanha, cursou Design Thinking no Centro de Inovação e Criatividade da ESPM-SP, tem pós-graduação em Gestão de Processos Comunicacionais pela ECA-USP e graduação em Jornalismo. Cofundadora do Instituto Educadigital, atua na área de Educação e Tecnologia desde 2001. É coordenadora do projeto REA-Brasil, uma das autoras do livro “Recursos Educacionais Abertos – Práticas Colaborativas e Políticas Públicas”